setembro 28, 2009

O programa da liberdade

O CDS-PP teve o melhor resultado em 26 anos, fruto de alguma sorte na distribuição dos votos (teve mais 35 mil votos que o BE mas mais 5 deputados, enquanto o BE teve mais 110 mil votos que a CDU e apenas mais um deputado; por exemplo no Porto o último deputado foi para o CDS por 900 votos em relação ao BE) e de muito boa imprensa em relação a Portas, muito simpático a servir cafés ao mesmo tempo que passeia entre feiras (desde que não tenham ciganos) e calça as botas de agricultor experimentado. O trabalho liberta, mas se for para aumentar o salário mínimo vota-se contra. Realmente, “isto está mau porque os pobres andam a roubar”* é um slogan que dá votos. Nada disto é novo, excepto a imagem positiva de Portas na imprensa e a posição acrítica da maior parte dos comentadores, algo que já vem desde as eleições europeias, em que Nuno Melo se tornou o grande crítico do caso BPN/Banco de Portugal, sem nunca ser referido que o programa eleitoral do CDS defende ainda mais desregularização e menor fiscalização. É exactamente o programa eleitoral do CDS que está em causa, programa esse que nunca foi... esmiuçado durante a campanha (aliás, apenas o programa do BE foi examinado pormenorizadamente). Utilizando o discurso de Portas no domingo:

"O CDS será o partido das pensões mais baixas [sic], das famílias, da autoridade dos professores, da contratualização para acabar com as listas de espera na saúde, da liberdade de escolha na educação, na saúde e na Segurança Social."

"liberdade de escolha na educação" 
ler: possibilidade de optar por escolas privadas desde o secundário, numa lógica de fuga à escola pública, é claro, acessível apenas a quem tiver possibilidades para tal, isto é, "melhor" educação para quem a pode pagar. Resultado prático: a dimuição da qualidade e quase abandono do ensino público, evidenciado por experiencias baseadas nesta ideia de Milton Friedman em New Orleans pós-Katrina, exposto por Naomi Klein em "The Shock Doctrine";

"liberdade de escolha na sáude" 
ler: privatização da gestão dos hospitais (com resultados desastrosos já evidenciados mesmo em Portugal - "Hospitais com gestão privada com prejuízos acima dos 91 milhões"; Sócrates põe fim à era da gestão privada) e ao mesmo tempo maiores incentivos e benefícios de optar por clinicas privadas, é claro, para quem conseguir;

"liberdade de escolha na segurança social" 
ler: possibilidade de optar por em vez de descontar para o sistema nacional, descontar para fundos privados em bancos e seguradoras que depois aplicariam esses fundos nos mercados de capitais, sistema que ao mesmo tempo retira fundos do sistema nacional (logo agravando a crise em que o sistema já se encontra) e que ainda há um ano reduziu as poupanças-reformas de muitos americanos (onde já existe esta "liberdade") a quase nada - ver The 401(k) Could Prove a History-Making Fiasco e em Ladrões de Bicicletas:

"Se juntarmos aos cortes nas pensões os incentivos fiscais ao investimento em PPR (planos de poupança reforma) percebemos que as classes mais abastadas, com capacidade poupança, se deslocarão lentamente do sistema público para o sistema privado, dominado pela finança. O resultado será um sistema dual, onde teremos um frágil e exíguo sistema público destinado aos mais pobres e um sistema privado, dependente das rentabilidades dos mais exóticos produtos financeiros"

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